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Capa do livro

Livro “A Máquina de Xadrez”, de Robert Löhr

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Saiba mais sobre a famosíssima história do Turco, a suposta máquina de jogar xadrez criada no século XVIII

O livro conta, de maneira romanceada, a impressionante história do inventor húngaro Wolfgang von Kempelen que, no século XVIII, criou uma suposta máquina que jogava xadrez. Fazia parte da máquina um boneco vestido com roupas turcas e, por esse motivo, ela foi batizada com o nome de o Turco.

Retrato de Wolfgang von Kempelen
Retrato de Wolfgang von Kempelen

Ilustração do Turco
Ilustração do Turco

O visual do boneco foi uma ideia de Kempelen para atrair a atenção de seus contemporâneos, uma vez que, na época, os europeus, influenciados por ideias iluministas, nutriam grande curiosidade por culturas de outros povos, incluindo turcos, orientais e indígenas. Na literatura, por exemplo, diversos autores exploraram temas e personagens estrangeiros, como Montesquieu, que inventou correspondências entre os amigos fictícios Rica e Usbek no livro Cartas Persas para criticar a sociedade e o poder das instituições (especialmente a Igreja Católica e a monarquia absolutista) de seu tempo. Na música, diversos compositores se abriram para estilos estrangeiros, e até tentaram imitá-los. São bem conhecidas a Marcha Turca e a ópera O Rapto do Serralho, de W. A. Mozart, ambas compostas sob influência da música do corpo janízaro, a unidade de elite do exército otomano, formada por crianças cristãs recrutadas pelos otomanos e convertidas ao islamismo.

Voltando ao xadrez, a máquina criada por Kempelen, temperada com o sedutor mistério turco, teve grande sucesso e viajou por muitos países, onde foi recebida em Cortes por nobres ociosos e também jogou contra os mais fortes enxadristas da época, incluindo o francês François Philidor, então considerado o melhor do mundo (de maneira não oficial, pois ainda não existiam rating e nem o Campeonato Mundial de Xadrez). Philidor venceu, mas descreveu a partida como a mais cansativa de sua carreira.

Enquanto isso, embora muitos acreditassem na autenticidade da invenção de Kempelen, o ceticismo ao redor dela aumentava. De fato, a suposta máquina era uma farsa. Hoje em dia é muito fácil tirar essa conclusão e considerar ingênuas as pessoas que acreditaram no Turco, pois sabemos que não havia tecnologia suficiente no século XVIII para construir uma máquina que joga xadrez. É por isso que precisamos nos colocar na época para melhor compreender a história. E você, se vivesse na época, acha que acreditaria na máquina? Ou julgaria se tratar de uma farsa?

Primeiramente, Joseph Friedrich, barão de Racknitz, depois de assistir o Turco em funcionamento, publicou um livro demonstrando que uma pessoa podia se esconder dentro da mesa de xadrez que o acompanhava e, a partir daí, operar todo o funcionamento da máquina e mover as peças no tabuleiro por meio de um sistema de ímãs e alavancas. Kempelen negou as alegações e, aparentemente, o livro do barão de Racknitz foi abafado, pois o interesse no Turco sobreviveu por muito tempo.

Após a morte de Kempelen, seu filho, Karl, vendeu o Turco para o músico Johann Nepomuk Mälzel, o inventor do metrônomo. Quando Napoleão Bonaparte ocupou a cidade de Viena, em 1809, ele perdeu duas partidas para a propriedade de Mälzel (naquela altura, operada pelo enxadrista alemão Johann Allgaier; não se sabe ao certo quem foram os operadores antes dele). Na terceira partida, Napoleão tentou várias jogadas ilegais, fazendo com que Allgaier perdesse a paciência e fizesse o braço do boneco derrubar as peças do tabuleiro, para divertimento de Bonaparte. Veja a seguir uma das partidas desse match.

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Assim como Kempelen, Mälzel decidiu viajar com o Turco para apresentá-lo em diferentes locais da Europa. Desde então, os operadores foram trocados com frequência; um deles, o francês Jacques-François Mouret, anos depois tornou-se o primeiro a revelar publicamente o segredo do autômato.

Depois, Mälzel resolveu deixar a Europa e partir para o Novo Mundo, onde apresentou sua propriedade, a partir de 1826, em diversos estados americanos. Um dos espectadores foi o célebre escritor Edgar Allan Poe, que, convencido da falsidade da máquina, escreveu um artigo argumentando por que ela não podia ser real.

A última cabeça do Turco foi o alsaciano Wilhelm Schlumberger. Quando ele viajou com Mälzel para Havana, acabou perecendo devido à febre amarela. Mälzel tampouco tornou a pisar em solo americano, morrendo na travessia de Cuba e tendo seu corpo lançado no Atlântico.

O Turco, sem dono, encontrou um novo lar no Peale’s Chinese Museum, na Filadélfia. Em 5 de julho de 1845 houve um incêndio no museu, cujo fogo consumiu o famigerado autômato de xadrez. O Turco morreu no seu octogésimo quarto ano de vida, cinquenta anos após o seu criador.

Neste artigo, foram dados apenas fatos históricos e nenhum spoiler do livro de Löhr. A obra A Máquina de Xadrez não tem compromisso histórico, com exceção do Epílogo e das Notas do Autor ao final do livro. Trata-se de um romance, no qual o autor adota sua licença poética para imaginar livremente as aventuras de Wolfgang von Kempelen com sua invenção. É uma leitura agradável tanto para os amantes do xadrez como para os que não têm o menor interesse pelo jogo.